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O Paraná que queremos

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A Filosofia, Aquela

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José Carlos Fernandes, Boletim de Leitura Orientada, nº 143.

Fiz faculdade de Filosofia – confesso. E é evidente que já ouvi muita piadinha a respeito.
Tanto que concluí existir um “índice Filosofia” para qualificar dificuldades e facilidades de qualquer natureza. Quando alguém quer dizer que algo é moleza, quase um fiasco, diz que “é mais fácil do que passar no vestibular de Filosofia.” Simpático, né. A frase fica
ainda mais precisa quando acrescida da máxima: “E ainda por cima não serve para nada.”

A gente ouve o desaforo e lembra de ter quase reprovado em Lógica. Do trabalho de Teoria do Conhecimento desancado em público pelo professor. De ter ficado de cama depois de ler muito Nietzsche. De que não entendeu lhufas de Kant. De que ficou meio “pancada” por uns
meses e até decorou umas partes do Manifesto Comunista, jurando saber o que significa a frase “tudo que é sólido desmancha no ar.”

Atormentado por tantas recordações da tortura trazida pelo exercício do pensamento, resta o silêncio. Desisto de me vingar, pedindo que o interlocutor elabore o conceito de facilidade, só para vê-lo cacarejar feito um frango na hora do abate. Uma das coisas que ficam bem fáceis depois que se cursa Filosofia é identificar os momentos em que é melhor fechar o bico.

Outra particularidade do universo da Filosofia é que se trata de um curso inconcluso e sempre às portas do jubilamento. As regras são draconianas para quem ousa a Filosofia.
Explico. Um estudante de Medicina se gradua e passa a se apresentar como médico. O mesmo não acontece com quem passou quatro anos abraçado com Heidegger ou Cioran – para citar dois pintas brabas.

Repare que um graduado em Filosofia quase nunca se apresenta como filósofo. Soa a pedantismo. É como se igualar a Platão. Tem mais. Quando o estudante conclui a última disciplina da grade descobre que só então está pronto para começar. É tal do “só
sei que nada sei”. Se deixa de estudar nos meses seguintes à entrega do diploma, entende que em dois anos o seu curso – tão menosprezado – venceu, como se fosse um enlatado de supermercado.

Mesmo assim, para surpresa, é raro encontrar quem tenha feito Filosofia e não arrote caviar: foi a melhor coisa que fiz na vida. É o que digo – e olhe que meu diploma
já descansa em paz numa gaveta há 25 anos. Deem-me os parabéns, por favor. Não aprendi tudo o que podia, tolerei gracejos, mas graças à Filosofia descobri como dar aos alunos a melhor aula do resto de suas vidas.

É de praxe, no primeiro ano de faculdade, estudar em Filosofia Antiga o método da Escola
Peripatética, a dialética platônica, a maiêutica, entre outros termos que, em miúdos, se resumem às aulas dadas ao ar livre, sem livros, e seja o que os desues quiserem. Conta-se
apenas com a companhia do mestre, perguntando “por quê?” sem parar,fazendo-nos, em meio à caminhada, “dar à luz os conhecimentos.”

Em mais de uma década de sala de aula posso afirmar que acertei todas as vezes em que fui passear com os meus alunos, na rua, na favela, no parque, na cidade vizinha, carregando a boa vontade, os ouvidos abertos e uma boas questões na ponta da língua. Encontro os pupilos
tempos depois e lá vêm as memórias sobre a tal da aula peripatética, sem power point, sem texto. Apesar as facilidades da Filosofia, consigo entender o que a moçada tenta dizer.
A escola é mesmo um lugar difícil de ser e de estar. O que seria de nós, e deles, sem as consolações da Filosofia, aquela.